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2013-07-05 intervalobanger ( by Vakka)

Senhores(as),

Há algum tempo rolei uma ideia com o Antoine, batera do power trio rock ocultista Aluk Todolo, uma banda que conseguiu trilhar um caminho bizarramente único  dentro da música intrumental, sem que se quer possa ser comparado com essa ou aquela banda já com algum destaque entre bandas intrumentais atuais.  Uma mistura de rock/drones/blast de mais de 10 minutos em uma única nota/boogies e swings/doom/psicodelia, tudo embalado no mais preto e fúnebre véu (uh! soou doom, huh?).

Os caras lançaram ano passado o maravilhoso Occult Rock, trampo que veio na bota do também espetacular play colaborativo com o Der Blutharsch ealiás é um dos temas da conversa além de como foi tocar no Roadburn, a temática da banda e outras mazelas.

Enjoy, fuckers!

Pra começar, minha maior curiosidade sobre a banda é sobre o que significa Aluk Todolo e de onde o nome foi tirado. Sempre pensei que foi tirado de um filme ou algo do tipo.

Antoine Hadjioannou: Não foi de um filme. Aluk Todolo é o nome de uma antiga religião animista de South Sulawesi, na Indonésia.  Matthieu, o baixista, trouxe a ideia de uma viagem. Na época nós nem procurávamos por um nome de banda, já que a banda ainda não estava formada. Mas tivemos essa ideia, imprecisa e indefinida… Já na busca por música enteogênica… O que poderia se encaixar mais neste projeto que o nome de uma religião? Portanto, o nome é que deu origem à banda, pelo real significado das palavras Aluk Todolo, que pode ser traduzido como “O Caminho Dos Ancestrais”, e por muitas outras razões que ainda descobrimos todos os dias.

A identidade visual do Aluk Todolo é absurdamente fantástica. Desde os tons de cinza que vocês usam, sua própria tipografia e logo (para aqueles que leem seu logo pela primeira vez, dá a sensação de estar de cabeça para baixo ou com as letras reversas de algum modo). Bem, toda a estética é realmente incrível. Quem cuida dessa parte na banda? É algo que parte de vocês ou vocês tem uma espécie de diretor de arte para isso?

AH : Obrigado. Como a música, a arte é feita por nós três, como uma banda. O trabalho artístico é muito importante para nós, pois como queremos que o produto final seja um artefato (i.e. um objeto mágico), devemos fazer algo que seja mais do que apenas ilustrativo ou estético; a arte contém certas chaves, permitindo a alguém que a estuda atentamente entrar profundamente em nosso universo musical e compreender suas regras… Muitas vezes uma imagem se impõe, e nós entendemos seu significado em seguida.

A música do Aluk Todolo é única. Queria conhecer pouco de seu processo criativo. Quanto tempo leva para que vocês cheguem a um consenso e definam o som como pronto?

AH: Nós na verdade não temos um método de escrever preciso. Bem, meio que temos um, mas não é fácil de racionalizar. Nossa abordagem é mediúnica. Tudo se resume em esvaziar nossas mentes para permitir que forças entrem. Então, se algo acontece, nós tentamos isolar a “fórmula”: pode ser um barulho específico, ou uma melodia ou o ritmo, ou somente uma vibração ou um tempo, ou até algo mais… O que importa é o sentimento de “absoluta necessidade”. Então as coisas tomam sua forma progressivamente. Isso pode ser rápido ou lento, nunca sabemos. Algumas vezes ainda trabalhamos em uma peça por vários anos depois de a fórmula ter sido encontrada.

Ainda sobre a questão anterior, o quanto disso (do resultado final) vocês conseguem ter no estúdio enquanto gravam? Digo, desde encontrar a melodia perfeita até a composição das camadas, o quanto vem pronto do ensaio e o que é por “teste e erro” e experimentações?

AH: Nós somos servos da música, portanto usamos diferentes métodos em cada lançamento, conforme a música em si requeria. Mas o processo de mixagem tem sempre sido visto como uma fase de revelação, durante a qual nós enfatizamos algumas coisas escondidas. Esses sons e melodias secretos existem na matéria prima que é a interpretação original. Pode levar um longo tempo para revelá-los, e nós podemos passar por muitas fases diferentes, mas uma vez que a melodia perfeita é encontrada, “teste e erro” não são mais “teste e erro”, porque o caminho é a meta e o acaso não existe no contexto de nossa música.

Para completar a questão acima: Em quase todo flyer vocês usam quiromancia, ou mãos com símbolos que nos remetem ao ocultismo/bruxaria ou algo do tipo. Por que essa fascinação por esse lado? Você vê isso como parte da identidade da banda?

AH : Temo que explicar demais a nossa estética e simbologia mataria o mistério, então só direi que, talvez, associar o simbolismo de mãos com nossa música, ou um sentido de toque ao som, é um modo de indicar que nós imaginamos o som como algo material… E o tema da quiromancia, que implica em prever o futuro, pode se referir ao fato de que nós consideramos nossa música como pré-existente à sua manifestação.

Sua música, de algum modo, nos passa aquela aura de velhos filmes de terror. Nesse aspecto, que filmes você assimila à música do Aluk Todolo? Ou quais você acha que podem fazer referência às influências em sua música?

AH : Acho que a qualidade cinematográfica é inerente a qualquer música hipnótica/ meditativa. Quanto à aura de filme de terror, isso com certeza vêm do fato de que o horror é uma ferramenta muito útil de destruição do ego, que é um passo crucial para alterar a consciência. É sempre difícil falar sobre influências ou referências porque nós não pensamos sobre nada disso… Mas nos sentimos próximos à Kenneth Anger, porque seus filmes são realmente mágicos. E amamos José Mojica Marins!

Cara, curiosamente eu li sobre a banda hoje enquanto pensava nas questões e me dei conta do Diamatregon. Eu tinha o “Blasphemy for Satan” há muitos anos, peguei pouco depois que ele foi lançado, e lembro que era um álbum foda, incluindo a arte, impressa em um papel especial e numerada à mão. Bem, descobri que a banda ainda está na ativa e lançou um EP no ano passado. É difícil manter as duas bandas? Diamatregon só respira ou é um monstro que ainda vive?

AH: Diamatregon agora é somente um projeto de studio. Está dormindo por esses dias, Mas pode acordar a qualquer momento.

Algo que notei no Occult Rock, por exemplo, é a lacuna que existe entre o título do álbum e a música apresentada, digo… Se você ouvir o Black Metal do Venom, é black metal. O Death Metal do Dismember também é um álbum de death metal, mas o Occult Rock não é fácil de assimilar. A maioria pode ter como referência alguma banda tocando algo que soe mais como Black Sabbath, Coven ou coisas mais antigas, mas vocês atingiram uma maturidade e identidade no som de vocês. Obviamente essa é a minha impressão, então a pergunta é: Como vocês percebem o som que fazem hoje?

AH: Quando formamos a banda, nomeamos nossa música de Occult Rock pelo real significado das palavras Occult Rock e sem nenhuma referência ao Coven, Black Sabbath, etc… Por Occult, queremos dizer que nossa música lida, em todos os aspectos, com o conhecimento de mistérios secretos do cosmo e da mente. Como eu disse, nosso objetivo era, e ainda é, criar música enteogênica. Por Rock queremos dizer instrumentos de rock: bateria, baixo e guitarra. E Occult Rock como o título do álbum, tem duplo significado: nomear o álbum de Occult Rock foi uma declaração, já que esse álbum é um manifesto. O segundo significado é obvio se você olha para a capa. Uma interpretação mais profunda mostrará claramente a quem ouvir com atenção e olhar os sigilos de John Dee que usamos na arte.

Falar da cena francesa que hoje é com certeza um polo de black metal, e certamente os mais relacionados a essa exposição seriam o Deathspell Omega, Blut aus Nord, Antaeus e agora o Aosoth, entre uma porção de outras… Todos tem um som específico e soam tão únicos, claramente têm aquela marca “francesa”, com riffs dissonantes, tempos estranhos… O que você acha dessa cena? Você acha que é algo realmente relevante para o black metal ter hoje em dia seu destaque na França?

AH: Estou por fora de black metal, e não conheço as bandas que você mencionou.  Os outros poderiam dizer algo mais… Mas talvez seja por isso que as bandas francesas soem únicas, elas não andam juntas e não ouvem outras bandas francesas, haha !

Como foi trabalhar naquela colaboração com o DER BLUTHARSCH? Você gostou do processo de trabalhar com pessoas diferentes e há alguma outra banda com a qual gostaria de trabalhar?

AH: Sabe, para nós, o processo de trabalhar em um álbum não é algo prazeroso. É sempre uma espécie de experiência traumática, com um sentimento apocalíptico… É exaustivo. Então, com certeza, colaborar com Der Blutharsch foi muito inspirador… Mas ao mesmo tempo me lembro de que essas semanas gastas trabalhando no álbum foram como uma droga de um pesadelo. A coisa mais difícil e problemática é que nós não estávamos no mesmo estúdio… Mas essa condição criou alguns sons e estruturas sinistras e surpreendentes, e era na verdade um bom modo de provocar sincronicidade, então acho que era o único jeito de fazer isso… E sim, nós iremos colaborar com algumas outras bandas no futuro, mas é muito cedo para falar sobre isso.

E pra vocês como rolou o Roadburn? Na verdade queria saber um pouco mais sobre o como é o backstage do festival pra bandas.  O que você pode nos dizer sobre toda a experiência no festival?

AH: Foi grandioso! Tivemos muita sorte de sermos convidados para tocar em 2011 por Stephen O’Malley no dia em que o Sunn O)) fez a curadoria. Desde que entramos no “Green Room” (um dos palcos do festival. NT) naquele dia, tivemos um luxuoso soundcheck de duas horas, o que é extremamente raro. A sala estava lotada, o som do palco estava perfeito…

Como um músico, foi grandioso. Não me lembro do backstage muito bem, tenho certeza que foi legal, mas não ficamos muito tempo lá. Depois do show demos umas voltas e vimos alguns concertos. O Roadburn é, com certeza, agradável, considerando a quantidade de bandas que tocam todo ano. Mas devo dizer que é um festival muito lotado, o que dificulta a movimentação pelo local.

Você conhece/gosta de alguma banda desse país esquecido? (exceto o Sepultura hehe)

AH: Bem, sei que vocês tem muita música matadora no Brasil, temo que eu não conheça muito… Mas amo Hermeto Pascoal, especialmente seus álbuns Slaves Mass e Zabumbe-Bum-A. Também conheço Tom Zé, sua música é incrível e tão estranha… E os primeiros álbuns da banda psicodélica Os Mutantes… E Gilberto Mendes, muito estranho e louco, “Beba Coca-Cola!” E vocês têm algumas poderosas músicas ritualísticas tradicionais, com uma incrível pegada rítmica. Tenho esse cd: “Candomblé de Angola, Afro-Brazilian Ritual Music”, é incrível. Há também o filme Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, que nós amamos!

Para que o deixemos ir, gostaria que você fizesse um breve comentário sobre cinco álbuns que você tem escutado recentemente.

AH: Então, ultimamente tenho ouvido:

Magma – Ëmmehntëhtt-Ré

Meu álbum favorito do Magma, junto com o Köhntarkösz. Christian Vander é um gênio e eu simplesmente não tenho palavras para expressar o quanto amo sua música. É tão pura e tão inspiradora… Música realmente mágica! Ouço Magma pelo menos dez vezes ao dia.

Grachan Moncur III – Evolution

Um álbum de jazz muito sombrio e hipnótico, com Tony Williams, com um dos melhores sons de bateria que já ouvi e uma rara e incrível combinação de trombone e vibrafone. Belo. A faixa “Evolution” é muito sombria e amarga.

Stevie Wonder – Innervisions

Ouço este álbum desde quando era criança e nunca me canso dele. Por anos quis saber quem era o baterista desse álbum… É o próprio Stevie. O que posso dizer? Um gênio! Ouço Stevie Wonder todas as manhãs e pretendo fazer isso pelo resto da minha vida.

Quincy Jones – In Cold blood

Uma de minhas trilhas sonoras favoritas, que consegue ser mais poderosa sem o filme. Estranha e inquietante…

Lubomyr Melnyk – KMH

Música de piano em modo contínuo; música muito estranha que não soa como nada. É muito difícil de descrever, muito desafiador  e bem hipnótico.

Tradução: Lucil dos Reis Alves Junior